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Trem Húngaro “Avião sobre trilhos”
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Na singular trajetória das estradas de ferro no Brasil, a década de 1970 apresenta aspectos bem interessantes, com a euforia de desenvolvimento — o chamado "milagre econômico" — patrocinada pelos governos da "Revolução" de 1964 e as empresas estatais, representando setores estratégicos da economia.
Era o caso da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), no auge de seus 15 anos, debutando faustosamente em pleno Brasil do "ame-o ou deixe-o".
Eis o quadro ferroviário brasileiro daquele período:
RFFSA — Com 4 Sistemas Regionais e 14 Divisões Operacionais.
Fepasa — Recentemente criada (1971), com a missão de reunir as ferrovias do Estado de São Paulo numa administração única.
EF Vitória a Minas (da Cia. Vale do Rio Doce) — Época de chegada das locos DDM-45 da EMD-GM. Início de estudos para modernização da malha, com a implantação de sofisticado sistema de Controle de Tráfego Centralizado (CTC), com tecnologia japonesa.
Apresentava-se a RFFSA como grandiosa empresa, cuja modelar "modernidade empresarial" permeava sua imagem institucional junto à sociedade, investindo na ampliação e modernização dos serviços de transporte de passageiros de longo percurso — ao contrário do que se assistiria mais tarde.
Na sociedade brasileira da época, com poucas exceções, as classes dirigentes detinham salários elevados e um padrão de vida com sabor de "mundo desenvolvido" (hoje, "1° mundo"). A expectativa do "Brasil do futuro" era uma constante.
No setor de transportes, grandes realizações estavam programadas ou já em execução. As ferrovias pareciam estar em alta:
O País preparava-se para inaugurar o seu segundo sistema de metrô subterrâneo (Rio de Janeiro) em menos de 4 anos;
A remodelação do Ramal de São Paulo da Linha do Centro, com retificação do traçado, prometia viagens ferroviárias de menos de 5 horas entre as duas grandes metrópoles nacionais;
Outras obras regadas pelo ufanismo, como a Ferrovia do Aço — prometida para ficar pronta em menos de 3 anos, ou 1.000 dias — completam o cenário.
É nesse contexto que a ferrovia brasileira — representada por sua maior empresa — assiste à que foi, literalmente, sua última grande aquisição em equipamentos para o transporte de passageiros de longa distância.
Os trens húngaros — do auge à decadência — foram o ensaio do primeiro "trem-bala" tupiniquim.
O ano de 1973 marca a chegada das primeiras unidades, desembarcadas no porto do Rio de Janeiro na 1ª quinzena de dezembro.
De origem húngara, fabricados pela companhia Ganz-Mavag de equipamentos ferroviários, custaram Cr$ 50 milhões — incluídas peças sobressalentes para reposição — , conforme a Revista Ferroviária de 71/Dez.
A aquisição incluiu 12 trens-unidade diesel-hidráulicos (TUDH), assim distribuídos:
6 TUDHs para a 6ª Divisão — Central, bitola 1,60 m, cada um com capacidade para 216 passageiros
6 TUDHs para a 13ª Divisão — Rio Grande do Sul, bitola 1,00 m, cada um com capacidade para 120 passageiros
Na 13ª Divisão, iriam substituir o Minuano, ou "Trem Pampeiro".
Na 6ª Divisão, deviam substituir os carros e automotrizes Budd, prioritariamente no trecho Rio – São Paulo.
Na prática, porém, as coisas se passaram um pouco diferentes.
Já batizados em definitivo como "Trens Húngaros", os carros Ganz-Mavag fizeram sua viagem inaugural de teste em 1974/Jan/25, entre D. Pedro II e Japeri, com a presença de autoridades governamentais e da RFFSA, destacando-se o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza.
A partir de Março, os trens passariam a correr diariamente, saindo às 17h30 e chegando às 23h37, simultaneamente, no Rio e em São Paulo.
Mas a substituição dos carros Budd não ocorreu, e não foi mais cogitada.
Em 1975, a RFFSA apresentava as seguintes oções no ramal de São Paulo:
Havia um motivo para esta "variedade".
A RFFSA estabeleceu como prioritária a conclusão da melhoria do Ramal de São Paulo, interrompida havia anos — ainda nos planos desde a EFCB, em 1952!
A conclusão de inúmeras variantes, com profunda correção geométrica do perfil do traçado — rampas mais suaves e curvas de raio mais aberto — trouxe à empresa uma chance de explorar sua imagem em concordância com a mentalidade desenvolvimentista.
De fato, as automotrizes Budd — assim como o Trem Húngaro — chegaram a cumprir a meta de testar a "alta velocidade" na nova Rio – São Paulo, mas por breve período.
Para a formação das 6 composições do Ramal de São Paulo, vieram os seguintes carros:
Carro Motor | Carro Buffet | Carro Poltrona | Carro Motor |
Cada TUDH era formado de acordo com o esquema demonstrado na Figura acima.
A Tabela I descreve os carros e suas séries correspondentes.
As letras de classificação A, B e C seriam meramente para identificá-los perante os passageiros, de acordo com a acomodação adquirida: — Poltrona no carro-motor, no carro-buffet, ou no carro-poltrona.
As letras eram fixadas de forma permanente, junto às portas de acesso, no lado externo, em placas de metal em alto-relevo; e pintadas em vermelho para imediata visualização.
O Trem Húngaro inaugurou o serviço de buffet em trens completos — antes existente apenas nas RDC-2 por adaptação.
Mais tarde, os carros Budd cauda e 1ª classe / 56 passageiros ganhariam instalações adaptadas para este fim — ao contrário do Húngaro, cujos carros vieram de fábrica com o discreto bar-buffet nos da série (par) MR-200.
O conforto e o design sofisticado do interior dos carros atendiam às expectativas do usuário, e foram um dos principais alvos da propaganda da "Refesa", inclusive comparando-os às instalações arrojadas de um Boeing.
O "avião sobre trilhos" oferecia ar-condicionado, isolamento acústico, janelas panorâmicas, portas integrais e absoluta estabilidade.
De 1974 a 1978, esta era mais uma opção de viagem Rio – São Paulo.
Na prática, porém, começaram a aparecer alguns problemas, que condenariam em definitivo a utilização do equipamento.
Tudo parecia absolutamente perfeito, não fosse um detalhe revelado com o tempo: — O projeto Ganz-Mavag foi dimensionado para trechos planos.
É o caso do Ramal de São Paulo, sem dúvida. Mas não é o caso do famoso trecho de subida da Serra do Mar, de Japeri a Barra do Piraí — passagem obrigatória entre a baixada fluminense e o vale do Paraíba, a caminho de São Paulo ou Minas Gerais —, que colocou em xeque o nosso "trem-bala".
Vencer o trecho da serra passou a ser uma preocupação à parte. Quanto não desenvolvia baixíssima e incômoda velocidade, o auxílio de uma locomotiva fazia-se necessário. Creio que não foram raras as vezes em que uma Siemens "Pão-de-fôrma" ou uma SD-38 entraram em cena para levar o Húngaro até Barra do Piraí.
Tinha a Rede, portanto, um problema a resolver. E resolveu, adotando a clássica decisão de retirar o trem Húngaro da linha Rio — São Paulo.
Mas não saíram totalmente de circulação.
Em 1977 são transferidos para a SR-4 (Santos a Jundiaí) para prestarem suas qualidades entre São Paulo e Santos, via cremalheira, em viagens diárias — inauguradas em 77/Jul/09 — com partidas simultâneas às 7h45 e às 18h30.
É curioso, inclusive, que os mesmos trens tenham feito o trajeto São Paulo – Campinas – Rio Claro, servindo de conexão para o Bandeirante, que ligava Brasília a Campinas.
Mesmo na SR-4 o Húngaro não deu certo — mas agora, também por outra questão de ordem técnica: A mecânica Ganz-Mavag mostrou-se pouco resistente nas condições brasileiras.
A todo momento apareciam novos inconvenientes com peças cuja reposição tornava-se cada vez mais difícil, pois o material já era obsoleto na origem.
Além disso, havia sido concebido segundo a padronização industrial dos países da "cortina-de-ferro" — cada País comunista produzindo determinadas partes e componentes —, dificultando a obtenção de peças de reposição, e inviabilizando o intercâmbio com outros equipamentos usados no Brasil.
Os anos 80 se aproximavam e, com eles, mudanças na postura do governo.
A RFFSA passa a sustentar argumentos opostos aos que inspiraram o investimento no transporte de passageiros — agora considerado deficitário em quaisquer circunstâncias —, levando à gradual redução e suspensão dos trens de longo percurso.
A situação a que havia chegado o equipamento Ganz-Mavag era um convite ao total esquecimento de seus gloriosos serviços.
E foi o que aconteceu. Desativados da linha São Paulo – Santos, perdiam naquele momento o seu propósito.
Definitivamente locados em pátios como o da Barra Funda ou o depósito da Luz, foram abandonados à sorte.
As poucas unidades ainda em condições operacionais foram transferidas para a baixada santista, onde — até com certo sucesso — foram aproveitadas pela Cia. Siderúrgica Paulista (Cosipa), de Cubatão, para realizar o transporte gratuito de seus funcionários entre a usina e Santos.
Do minucioso cuidado no abrigo de São Diogo, do eng° Luiz Antônio Flutt (cujo trabalho devemos respeitar), ao total abandono no depósito da Luz, os Húngaros da 6ª Divisão — Central garantiram seu lugar na história.
Uma história curta, de apenas 20 anos, mas suficiente para começarmos a pensar na preservação de pelo menos um trem completo — de preferência, respeitado o padrão de pintura que foi sua marca registrada, com faixas e mosaicos em azul metálico sobre fundo cinza-prata, inscrição original "RFFSA" em azul, e barramento em amarelo-ouro, tendo na parte frontal uma inconfundível logomarca em disco com a inscrição "RFFSA" em preto sobre fundo amarelo.
O símbolo da Rede, também em amarelo, destacava-se nas laterais.
Alguns carros ainda podem ser vistos no depósito da Luz, relativamente apresentáveis. Cogitou-se recuperá-los para o percurso São Paulo – Aparecida, mas a idéia não foi levada adiante.
Desconheço se os demais ainda operam na baixada santista, a serviço da Cosipa.
Da mesma remessa desembarcada em 1973 / 1974, seis TUDH de bitola 1,00 metro seriam destinados ao Sistema Regional Sul, para a 13ª Divisão — Rio Grande do Sul, onde substituiriam o famoso trem Minuano, ou Pampeiro, que desde 1952 fazia o serviço entre Porto Alegre e Uruguaiana.
A propósito do uso do Húngaro na Cosipa, a Revista Ferroviária de 87/Fev revela que 1 dos 6 TUDH destinados ao Rio Grande do Sul foi gravemente avariado por uma tempestade na passagem do canal da Mancha, de modo que só 5 foram recebidos pelo Brasil.
A imprensa da época parece não ter noticiado este fato.
Com capacidade total para 120 passageiros, cada TUDH, não apresentavam maiores diferenças em relação aos TUDH de bitola larga.
Ao pesquisar junto à Unidade de Documentação da SR-2 para este trabalho, observei que as publicações dos anos 70 pouco falam dos trens destinados ao Sul.
Com menos alarde, os Húngaros da 13ª Divisão viveram uma realidade bem diferente.
Com o mesmo padrão de conforto dos da Central, os Húngaros da 13ª Divisão tiveram trajetória mais estável, circulando por 13 anos entre Porto Alegre e Uruguaiana — trecho de características planas, adequado ao projeto do equipamento — como "noturno".
Em 1987, a SR-6 decide suspender as viagens, alegando absoluta falta de peças de reposição.
A possibilidade de repotenciar (e nacionalizar) os Húngaros foi estudada, mas os custos — considerados proibitivos — afastaram essa idéia.
Condenados ao desaparecimento, a salvação dos Húngaros gaúchos veio do Nordeste: — O governo do Piauí decidiu implantar um serviço urbano em Teresina, para veículos leves sobre trilhos (VLTs) que seriam fornecidos pela Materfer argentina. Faltaram recursos, entretanto, e surgiu a idéia de empregar os carros Ganz-Mavag que estavam parados em Porto Alegre.
Acertada a transferência da SR-6 para a SR-11, os trens-unidade foram reformados pela empresa cearense Embrametra e postos em operação em Teresina em 1991.
Não há dúvida de que, de todas as unidades, estas tiveram um fim mais nobre
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