Ferrovias do carvão no Rio Grande do Sul
Luz & Bondes
A participação da iniciativa privada nacional no setor elétrico gaúcho;
uma perspectiva histórica das maiores empresas (1887-1922)
Gunter Axt
A produção e distribuição de energia elétrica no Rio Grande do Sul nem sempre foi apanágio dos poderes públicos. O governo estadual, com efeito, assumiu a dianteira no setor apenas a partir dos anos 1950, quando então a capacidade geradora instalada da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) ultrapassou a das companhias privadas. Antes da criação da Comissão Estadual de Energia Elétrica, em 1943, apenas as instalações, em Porto Alegre, Canoas e Pelotas, da maior empresa privada no ramo, ligada ao grupo norte-americano Amforp, representavam quase 44% da capacidade nominal total instalada, respondendo as mesmas por 70% de toda energia consumida no estado. Os poderes públicos controlavam, então, não mais de 25% do parque gerador sul-riograndense.
A iniciativa privada de fato ocupou espaço dominante no setor por mais de 60 anos, desde o surgimento da indústria de eletricidade no Rio Grande do Sul em 1887, dentre os quais com a liderança por cerca de 40 anos do capital nacional. Em 1927, o Anuário Estatístico registrava o controle pela iniciativa privada de 70% do potencial gerador global no estado, sendo que 75% dos investimentos no setor provinham do capital nacional, de cujo total, 30% operando 47 instalações no interior do estado e 70% investidos nas duas empresas da capital. Ao todo, funcionavam no território gaúcho 86 usinas elétricas, 35 sob controle municipal, uma estadual e uma, em Pelotas, sob administração do capital estrangeiro. A iniciativa privada computava então o emprego de 757 dos 963 operários que trabalhavam no setor (78,6%). Os maiores estabelecimentos geradores de eletricidade eram controlados pelo capital privado, que investia predominantemente na termeletricidade (menos de 10% da energia total gerada provinha de fonte hídrica).
Em 1939, segundo o Anuário Estatístico daquele ano, operavam no estado 249 usinas (148 termelétricas e 101 hidrelétricas), 193 das quais eram administradas por empresas particulares, respondendo estas por quase 80% da produção de eletricidade no Rio Grande do Sul. Na geração hidrelétrica, contudo, o capital privado estava em desvantagem: as administrações municipais controlavam cerca de 75% do conjunto do potencial hídrico instalado. Todavia, apenas 9,8% da energia total produzida procedia de fonte hídrica. Os principais centros urbanos gaúchos eram então abastecidos pelas empresas privadas, com exceção das cidades de Rio Grande, São Leopoldo, Santa Cruz e Passo Fundo. Nesta época, contudo, o capital nacional controlava não mais do que 20% da capacidade nominal instalada, perdendo sua posição de liderança para as companhias estrangeiras.
As maiores empresas privadas de capital nacional do setor elétrico gaúcho atuaram em Porto Alegre, principal mercado consumidor de energia no estado. Entre 1887 e 1928, as companhias Fiat Lux e Força e Luz Porto-Alegrense (CFL), e as suas respectivas sucessoras, a Companhia Energia Elétrica Rio-Grandense (CEERG) e Cia. Carris Porto-Alegrense (CPA), chegaram a responder por 70% do capital nacional total aplicado no setor elétrico gaúcho.
A primeira destas empresas a surgir foi a Sociedade Fiat Lux, cujas instalações, pioneiras no estado, foram inauguradas em 1º de dezembro de 1887, após seis meses de experimentos,
A Empresa de Luz Elétrica Fiat Lux (...) tem sua oficina na Rua Sete de Setembro, esquina General João Manoel. A iluminação da oficina é produzida por 15 lâmpadas de 10 e 16 velas sistema Edison; o motor é uma máquina a vapor demi fixe, Compound, de força elétrica de 50 cv com descarga automática (Paxman), e foi construída em Colchester (Inglaterra), pelos construtores Davey Paxman & Cia. A corrente elétrica é fornecida por três máquinas denominadas dínamos Gramme, podendo produzir 800 lâmpadas de 10 velas. Nos primeiros dias de outubro, principiaram as experiências, que continuaram até hoje dando esplêndido resultado.
Está estabelecida uma linha dupla da oficina até a Rua do Rosário, com duas denominações: uma para o Hotel Lagache e outra para a Praça Conde D'Eu. Na noite de 12 de novembro, quando teve lugar no salão do Club Comercial o banquete oferecido ao Sr. Senador Gaspar Martins, colocou-se na entrada da rua duas lâmpadas a arco Gramme, ou lâmpadas reguladoras de 300 velas. Conservaram-se elas acesas até as 2,5 horas da manhã, causando um efeito tal que parecia dia claro. Atualmente estão colocadas nas casas comerciais da Rua dos Andradas mais de 300 lâmpadas. Pode-se admirar todas as noites a luz elétrica das lâmpadas Gramme. O vasto Salão Continental está iluminado por uma só lâmpada. Os bosques do Hotel Lagache, por duas lâmpadas e em ambos os estabelecimentos a luz é inexedível. Breve terá o público o gosto pelo mesmo benefício no jardim da Praça Conde D'Eu ....
A novidade, que fez da cidade a primeira capital brasileira a contar com um serviço regular de fornecimento de eletricidade aos consumidores, era então oferecida
para casas comerciais e particulares, (...) aos moradores da Rua dos Andradas, desde a Travessa Paysandú, até a Vigário José Ignácio (...). A Companhia encarrega-se da colocação e de fornecer o material e as lâmpadas (...), [cobrando o serviço pelo tipo de lâmpada instalada.] A luz será fornecida até às 10,5 horas. Para hotéis, clubs, cafés, etc. a luz será fornecida até a meia-noite com 12% de aumento.
Sob direção dos cidadãos franceses Aimable Jouvin, cônsul e representante comercial, e S. Dernuit, engenheiro representante da firma Gramme, a companhia teve seus estatutos redigidos em 11 de maio de 1891. Foram os mesmos reformulados em 30 de junho de 1892, quando então o controle acionário transferiu-se a Graciano A. de Azambuja, F.P. Sertório Leite e Armênio Jouvin. Nesta transação, o capital da empresa foi elevado de Rs 640:000$000 para Rs 800:000$000.
Em setembro de 1896, uma nova administração, capitaneada pelo Cel. Antônio Soares de Barcellos - que, como principal acionista, exerceu a direção por 21 anos - assumiu o comando da companhia. Estando a Fiat Lux em dificuldades, procedeu-se então a uma manobra financeira, na qual reduziu-se o capital da mesma para 480 contos de réis, para em seguida reelevá-lo a 600 contos de réis (600:000$000), divididos em seis mil ações nominativas. Reunindo então a empresa 26 acionistas, aceitaram eles arcar com o prejuízo da ordem de 40% à guisa de garantia à operação. Em dois anos a companhia, até então deficitária, estava distribuindo dividendos a razão de 10% ao ano aos acionistas. Em outra medida de austeridade, a Fiat Lux abriu mão do privilégio para a prestação dos serviços nas demais cidades do estado, chegando a abandonar as fundações já iniciadas do prédio de uma usina em Pelotas. Novos estatutos foram aprovados em 22 de setembro de 1898. Em 1904, o capital da companhia foi elevado a mil contos de réis.
A partir de 1º de janeiro de 1900, a Fiat Lux, em atenção às solicitações de grande número de seus consumidores, que não careciam de luz até a meia-noite, resolveu adotar novo sistema de cobrança, estabelecendo dois horários diferentes: um até as dez horas, outro até a meia-noite. A qualidade do serviço, contudo, passou a suscitar algumas reclamações, sendo a iluminação considerada de intensidade fraca e não mais estando disponível a todos os interessados. Mas, a partir de 31 de dezembro de 1906, os consumidores da companhia passaram a usufruir do fornecimento de luz por toda noite. Em 1909, a usina passou finalmente a distribuir eletricidade durante as vinte e quatro horas do dia, melhoramento cujos investimentos exigiram a elevação do capital para 1.200 contos de réis. O sistema de cobrança dos serviços pelo consumo de kilowatts, por meio de contadores instalados nas residências, foi adotado pela companhia em 1º de abril de 1908, ao preço, então, de 800 réis o kilowatt. Em 1910, a Fiat Lux administrava 940 assinantes, gerando cerca de 250 kW/h por consumidor. Em 1915, a empresa totalizava 2.600 consumidores, vindo a alcançar 3.600 em 1920 e 5.100 em 1925, quando então a geração de kW/h por consumidor chegou a 616, tendo, para tanto, de serem as instalações da usina sucessivamente ampliadas.
Entrando em funcionamento em 1887 com uma pequena locomóvel, em 1891 a usina já operava com um gerador térmico de 160 kW, tendo sido novamente ampliada em 1899. Por volta de 1913, as instalações geradoras deveriam alcançar cerca de 600 kW de potência, o que representava uma capacidade inferior à disponível nas usinas da Cia. Força e Luz, em Porto Alegre, e, mesmo, nas usinas de Rio Grande e Uruguaiana.
Outro aumento de capital, através de um empréstimo conseguido junto aos maiores acionistas, permitiu à companhia colocar em atividade, em abril de 1914, uma nova central geradora, equipada com uma moderna turbina de 1.000 cv, à qual ligavam-se dois geradores de 350 kW cada um e de 220 volts de corrente contínua. Em 1920, entrou em serviço uma segunda unidade na usina nova, idêntica à primeira, totalizando então 1.400 kW de capacidade instalada. A potência de ambas as usinas deveria situar-se, nesta época, em torno de 2.000 kW, sendo aumentada em mais 500 kW até 1925.
Embora a situação financeira da empresa fosse positiva, sendo acumulada uma dívida relativamente pequena (Rs 326.830$990), durante os anos da Primeira Guerra, a Fiat Lux enfrentou algumas dificuldades, decorrentes da forte alta nos preços do carvão inglês e da lenha a partir de 1915. O carvão nacional, por sua vez, desapareceu do mercado.1 A posição financeira da companhia voltou a melhorar com a estabilização do preço da lenha, em 1917. Para este fato, concorreu a extinção do imposto sobre a lenha, tributo cobrado desde 1903. Neste período, foram ainda realizadas diversas obras nas caldeiras da usina, objetivando a redução do consumo de combustível.2
Contudo, os próprios diretores da companhia3 avaliavam que "a produção de energia elétrica em Porto Alegre era notoriamente insuficiente". Não obstante a Fiat Lux verificasse bons rendimentos, seu imprescindível programa de expansão "não manifestou muito interesse junto aos acionistas". Em assembléia extraordinária, realizada a 9 de novembro de 1923, os sócios decidiram aprovar a proposta de venda do acervo à Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense (CEERG): a transação foi concluída por 2.400 contos de réis em debêntures.4
A CEERG fora incorporada a 8 de novembro de 1923 na cidade do Rio de Janeiro, com um capital social inicial de 3.000 contos de réis. Tinha como principal acionista a Cia. Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo, empresa que atuava na mineração de carvão gaúcho desde 1889.
O emprego do "carvão nacional" encontrou amiúde significativa resistência junto às estradas de ferro, navegação fluvial e fábricas a vapor, pois era mais caro que a lenha e de menor rendimento que o carvão inglês, devido ao alto teor de cinzas na sua constituição.5 Após uma violenta queda no consumo de carvão de São Jerônimo na virada do século, o volume de sua comercialização foi sendo lentamente recuperado, insuflado pela ação das isenções fiscais e do imposto sobre a lenha.6 Às vésperas da Primeira Guerra, as usinas da capital eram em boa parte alimentadas pelo carvão de São Jerônimo, mas, em virtude da elevação de seus preços, passou novamente a perder terreno para o carvão inglês e para o de Santa Catarina, tendência que se aprofundou no início dos anos 20.7 O surgimento da CEERG, num período de retração do consumo do carvão gaúcho, foi o corolário da estratégia da Cia. São Jerônimo, onde a tentativa de estabelecimento de um mercado próprio ao seu produto visou uma alternativa ao desgastado protecionismo fiscal mantido pelo governo.8
Outra importante empresa a operar na capital gaúcha foi a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense (CFL). Incorporada em 1906 a partir da fusão de duas companhias que exploravam o transporte por tração animal por meio de trilhos em Porto Alegre - a Cia. Carris de Ferro Porto-Alegrense, uma sociedade anônima constituida em 1872, e a Cia. Carris Urbanos de Porto Alegre, fundada em 1891 -, tornou-se o maior empreendimento do capital sul-riograndense no setor elétrico. Em 14 de abril de 1906 foi celebrado um contrato para a exploração dos serviços de tração elétrica entre a nova companhia e a Intendência Municipal, tendo sido dispensada a concorrência pública. A empresa subscrevia um capital ativo de Rs 2.652:000$000, além de tomar um empréstimo no valor de 2.500 contos de réis, dividido em cinco parcelas iguais, a serem descontadas até 1908, ao juro de 7% ao ano, o qual fora garantido pelo Banco da Província e pelo Banco do Comércio.
Desde 1896 (seis anos após ter circulado o primeiro bonde elétrico do mundo, em Nova Yorque), já discutia-se a adoção deste sistema em Porto Alegre, quando então o interesse de alguns particulares inspirava a realização de estudos pela Intendência Municipal. Após longas discussões, uma nova proposta, apresentada pelo representante local da firma alemã Siemens & Halsche, conduziu à abertura de uma concorrência pública, a 2 de junho de 1904. Não logrou a mesma nenhum resultado, pois, garantindo os interesses das concessionárias em atividade, determinava a dependência da nova concessão à encampação da Carris Porto-Alegrense, cujo alto valor fixado afastou os pretendentes. No ano seguinte, o rumo das negociações evoluiu para uma proposta de parceria entre a Intendência Municipal e a Carris Urbanos, que, todavia, não chegou a concretizar-se, pois as duas empresas de transporte urbano fundiram-se para criar a Força e Luz.
O principal idealizador deste empreendimento foi Possidônio Mâncio da Cunha, grande acionista da Carris Porto-Alegrense. Influente político ligado às hostes do PRR, Possidônio também era um ágil capitalista, que na época integrava a diretoria de importantes empresas, como a Cia. Telephônica Rio-Grandense (fundada em 1908), a Cia. Predial e Agrícola, a Cia. de Seguros de Vida Previdência do Sul, a Cia. Fiação e Tecidos de Porto Alegre (fundada em abril de 1901) e o Banco Comercial Franco-Brasileiro (este último fundado posteriormente, em 1913). Acompanharam-no na nova iniciativa seus maiores sócios nestas empresas, juntamente com investidores ligados a outras importantes empresas locais (muitos dos quais tendo igualmente ocupado cargos políticos pelo PRR), além de bancos, companhias de seguros e de imóveis. Tendo reunido uma expressiva parcela dentre políticos governistas e investidores do momento, a CFL foi um evento marcante no incipiente capitalismo sul-riograndense, constituindo-se numa corporação moderna, com capital aberto, contrariando a tendência de "empresas familiares" do período.
As obras de construção da usina e dos trilhos foram iniciadas em 6 de dezembro de 1906 pela firma inglesa Dick, Kerr & C. Limited. Em outubro de 1907 já estavam colocados cerca de 30 Km de trilhos, "sendo metade em base de concreto e metade em dormentes de madeira de lei assentados sobre uma camada de poeira britada". Os trilhos, com 1,43 m. de bitola, achavam-se distribuídos pelas 12 linhas de bondes, em apenas um sentido. A rede de distribuição aérea, sustentada sobre postes de ferro, compunha-se de fios de cobre de 11,6 mm., de ida e de volta, com caixas comutadoras e pára-raios assentados de meia em meia milha, sendo os "cabos de alimentação (feeders) de arame de cobre torcidos em aspiral, cobertos com trança impermeável e de diversos diâmetros". As primeiras experiências com bondes elétricos foram realizadas em inícios de março de 1908, sendo a primeira linha inaugurada no dia 28 de março. Foram de início colocados em circulação 38 carros motores, sendo um deles um limpa-trilhos, e dois do tipo "imperial", todos com potência de 70 cv.
No Campo da Redenção foram construídos o depósito de carros e as oficinas auxiliares, com capacidade para 40 bondes. A usina geradora, situada à Rua Voluntários da Pátria próximo à Rua Conceição, constituía-se de duas seções, uma para as caldeiras e outra para os geradores. A chaminé, com seus 47,10 m de altura, 3,5 m de diâmetro interno na base e 2,6 m no topo, era a maior de Porto Alegre na época, sendo também a primeira obra realizada com emprego de tijolos refratários no estado. Operavam na usina
três caldeiras Balkok & Wilkox de 2.500 pés quadrados de superfície de aquecimento, cada uma montada sobre colunas de ferro forjado com base de ferro fundido de modo a que fique independente das bases de tijolo. Três máquinas verticais "Bellis & Morcom" de 450 cv de força cada, ligadas a três geradores de corrente contínua do tipo "Dick Kerr" de 300 kW cada um, trabalhando a uma tensão de 500 volts. Existem também três condensadores de superfície, um guindaste automóvel para elevar 10 ton., duas bombas para 2.000 galões e jogo completo para chaves comutadoras, um guindaste elétrico de força de 1 ton., para o desembarque de carvão ...
Em 1912, a CFL passou a distribuir força elétrica à pequenas e médias indústrias, sendo a primeira usina a fazê-lo na capital. Em 1914, a potência da usina foi ampliada em cerca de 400 kW. A rede de trilhos também expandira-se. A companhia dispunha então de 67 carros elétricos e 34 reboques. Durante o ano de 1907, a companhia transportou 3.274.327 passageiros; em 1913, transportou 11.928.734 passageiros. Em 1923, então com 87 carros elétricos 32 reboques, transportaria 24.568.652 passageiros.
À medida em que progredia e a rentabilidade do capital investido pôde ser comprovada, novos investidores engajavam-se na corporação. Embora a situação financeira da CFL fosse considerada promissora às vésperas da Primeira Guerra, seus serviços vinham, contudo, apresentando problemas desde a inauguração. As linhas de transmissão dos bondes partiam-se com freqüência, interrompendo por horas o tráfego em certos pontos. Os cabos aéreos da companhia também entravam em curto com os fios telefônicos. Já o sistema de travas dos bondes não era considerado muito seguro. Os acidentes com bondes, envolvendo pedestres ou automóveis, eram bastante usuais. Finalmente, os carros elétricos trafegavam sempre lotados, e os passageiros dos arrabaldes, em geral operários, queixavam-se veementemente por terem de pagar duas passagens para deslocarem-se ao centro, onde trabalhavam, pois tinham de fazer baldeação com os bondes circulares do perímetro central.
Para que o tráfego de veículos pudesse ser aumentado, foi necessário duplicar os trilhos e a capacidade da usina. Em 1914, concebeu-se um plano de expansão, que acabou esbarrando nas dificuldades impostas pela Guerra. A crise provocada pela conflagração mundial, além de obstaculizar a importação de maquinário, fez crescer as despesas da companhia com o combustível e restringiu sua perspectiva de receita - o índice de aumento de passageiros transportados caiu de 15% ao ano para 2,8% entre 1914 e 1915. As novas obras de ampliação da usina foram concluídas apenas em 1916, quando a capacidade instalada alcançou então a casa dos 2.000 kW.
No início dos anos 20, contudo, o discurso da diretoria da empresa sofreu uma guinada, passando a sustentar que o serviço tramviário da capital estava deficitário. A dívida da empresa aumentara sensivelmente: apenas entre 1906 e 1910, a companhia tomara quatro diferentes empréstimos e fizera duas emissões de títulos, totalizando um aumento de capital da ordem de 6.500 contos, sobre o capital inicial de 2.652 contos! Assim, quatro anos após seu surgimento, a companhia apresentava já um patrimônio líquido negativo, sustentando a distribuição de dividendos com base em sucessivas operações de crédito.
Em 1910, os acionistas minoritários mostraram-se revoltados contra a política administrativa da diretoria, que, através destas operações financeiras, privilegiava os grandes investidores, em prejuízo dos menores, já que as ações vinham sendo progressivamente desvalorizadas. Liderados então por Caldas Júnior, os pequenos acionistas exprimiram suas críticas à presidência de Possidônio da Cunha através do jornal Correio do Povo, de propriedade do primeiro.
O episódio estabeleceria um modelo, passando o Correio do Povo a atacar frontalmente os serviços e a administração da companhia, sobretudo com o aprofundamento da crise durante os anos 20. Em 1º maio de 1925, a CFL assinou um polêmico acordo com a Intendência que garantia a reformulação do contrato de 1906 e permitia o aumento das passagens, de Rs $200 para Rs $300, o que deveria instrumentalizar o saneamento da empresa. Em contrapartida, a CFL prometeu colocar em circulação mais 40 novos carros e aumentar em mais 50% o potencial da usina. O acordo foi criticado pela imprensa em geral, que entendeu ser a medida insuficiente para vencer a demanda por transporte na capital, além de desconfiar da seriedade da administração da companhia. Já a população, revoltada, promoveu quebra-quebras e tumultos.
A eclosão de mais um movimento grevista dos funcionários da CFL contribuiu para o aprofundamento das tensões, servindo também de elemento de pressão da diretoria da empresa sobre os poderes públicos, a fim de lograr seus objetivos. Nascido juntamente com a empresa, em 1906, o Sindicato dos Trabalhadores da CFL foi sempre muito ativo, participando das greves gerais de 1906, 1917 e 1919 e promovendo ainda paralisações individuais, em 1911 e em 1925, sempre por melhores salários e condições de trabalho. O trauma derivado do saldo trágico da greve de 1919 (quando, aliás, fora o sindicato da CFL particularmente combativo), semeou apreensão nos governos, tanto mais açulada por esta nova ebulição operária.
Os recursos para os investimentos previstos no acordo firmado foram obtidos junto à CEERG, que subscreveu um aumento de 5.000 contos de réis ao capital da CFL. Uma reformulação na presidência da companhia amparou então a expressão dos interesses dos novos acionistas, na pessoa de George Gugenheim, diretor da Cia. Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo. O diretor do Banco da Província do Rio Grande do Sul, instituição até o momento dona da maior parcela das dívidas da Força e Luz, Antônio Mostardeiro Filho, também acionista da companhia, passou igualmente a incorporar a nova administração. Com esta transação, a CEERG e a São Jerônimo assumiam o controle sobre as duas maiores empresas de eletricidade no estado (Fiat Lux e CFL). Esta piramidação do capital caracterizou o que o jornal Correio do Povo denominou de "truste carbo-elétrico".
Em outubro de 1925, em mais uma medida impopular, o foro judicial da CFL foi transferido para o Rio de Janeiro, onde localizava-se o escritório da CEERG. Em 24 de março de 1926, uma assembléia dos acionistas realizada na capital federal, determinou a conversão da razão social da empresa para Cia. Carris Porto Alegrense (CPA). À guisa deste coup de grâce, eclipsava-se irremediavelmente a atividade do capital sul-riograndense na indústria de energia elétrica.
Por seu turno, o Correio do Povo intensificava sua campanha em denúncia da má qualidade e alto custo dos serviços da CEERG e da CPA. O periódico argumentava que se ambas apresentavam contas deficitárias, era devido a comprarem carvão super-faturado, auferindo, em verdade, lucros indiretos através da Cia. São Jerônimo, o que, portanto, depunha contra as pretensões de aumento nas tarifas. Sustentava, ainda, que a população não poderia ser penalizada pela evasão de rendas que vitimava a CPA.
Alheia a todas as críticas, a CEERG praticava, de fato, rumo a uma acelerada capitalização, essencial na continuidade de seu plano de expansão, um alto regime tarifário, cuja sustentação procedia da crônica escassez e do quase monopólio na distribuição de energia elétrica. Desde 1925, a companhia dava publicidade ao projeto de construção de uma grande termelétrica em Porto Alegre com capacidade de 20.000 kW, para consumo exclusivo de carvão nacional, de acordo com o contrato firmado com o governo federal, por intermédio do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 29 de dezembro de 1924.
Tendo herdado a influência política ao nível regional da Fiat Lux e, em especial, da CFL, a CEERG procedeu à construção da nova usina sem qualquer garantia formalizada por um contrato de concessão com a Intendência. Da mesma forma, conseguiu fixar o prédio da usina em local considerado inadequado em parecer dos técnicos da Superintendência dos Serviços Industriais do município. De fato, a fuligem cuspida pelas chaminés da usina traria logo sérios transtornos aos moradores da zona oeste da capital, que passaria a ser conhecida como "zona vezuviana".
Vinte e cinco diferentes prédios foram adquiridos pela CEERG na Ponta da Cadeia, próximo à Praça da Harmonia, constituindo, assim, um terreno de 5.700 m2 para a instalação da nova termelétrica. A 16 de abril de 1926, uma concorrida cerimônia celebrou o lançamento da pedra fundamental da nova usina de Porto Alegre. Em março de 1927, o porto da cidade agitava-se com a descarga de um dos geradores da usina, pesando 15 toneladas. O custo total da obra era avaliado em 15.000 contos de réis. As obras foram contratadas à firma Christian & Nielsen, que havia construído diversas hidrelétricas para os Guinle, no Rio de Janeiro, além das usinas de Alberto Torres e de Pombos, em Minas Gerais. Trabalhavam na obra, em ritmo acelerado, cerca de 150 operários.
O edifício da usina foi o primeiro prédio em concreto armado da arquitetura industrial no Rio Grande do Sul. Representou uma impressionante obra de engenharia para a época. A construção das ensecadeiras, por exemplo, foi feita em pleno curso do Rio Guaíba, a 20 m. abaixo do nível médio das águas. A grandiosidade da usina podia ser averiguada pelo seu consumo de água, previsto em 8.000 m³ por dia, o equivalente a 6,5 vezes o consumo diário de água de toda a cidade de Porto Alegre, ou igual ao consumo diário de água da cidade de São Paulo, na época. A proximidade com o rio também permitiu o funcionamento de um cais próprio, construído com estacas de cimento armado, que facilitava o desembarque do carvão, livrando-o das taxas do porto da cidade. O carvão chegava ao cais transportado por chatas, das quais era retirado por enormes aparelhos de garras com capacidade de 2,5 toneladas e colocado nos britadores, de onde era conduzido por elevadores verticais, de caçamba, até a esteira distribuidora nos silos.
Com tamanho investimento, a CEERG esperava já de saída duplicar o número de assinantes, que em 1927 beirava os 6.000. A demanda reprimida em Porto Alegre era de fato considerável. O potencial das três usinas em operação (a da antiga Fiat Lux, da Carris e a pequena Usina Municipal) totalizavam apenas 5.168 kW, sendo a energia transportada com grandes perdas, em virtude do sistema de corrente contínua e do mau estado da rede de distribuição, e consumindo as velhas instalações muito carvão para gerá-la. As antigas centrais geradoras controladas pela CEERG reuniam 4.500 kW de potência. As duas usinas da empresa teriam produzido conjuntamente cerca de 13.500.000 kWh em 1927, 6.981.213 kWh dos quais foram destinados ao serviço de tração elétrica (pelos trilhos da CPA transitavam, então, 97 carros). Do restante, cerca de 65% foram destinados à iluminação particular, 25% distribuídos às indústrias e apenas 10% foram consumidos pela iluminação pública da capital. Fora a energia destinada aos tramways, o principal mercado da companhia continuava sendo o da iluminação privada. O capital conjunto da CEERG e CPA alcançava 31.000:000$000, que eqüivalia a 60% do capital total investido em usinas termelétricas no estado, em sua maior parte privadas. Segundo o Anuário Estatístico de 1927, Porto Alegre teria consumido cerca de 43% da energia elétrica total gerada no estado.
Mas a construção da termelétrica da Volta do Gasômetro, um verdadeiro palácio da eletricidade, terminou conduzindo a CEERG a dificuldades financeiras. Em 1928, a distribuição de dividendos aos acionistas foi suspensa, após ter sido reduzida, nos anos anteriores, inicialmente para 6%, depois para 4%. Os problemas de reunião de recursos para a conclusão da obra agravaram-se em novembro de 1927, quando então iniciou-se o cortejo entre a São Jerônimo e o grupo norte-americano Amforp, empresa de capital norte-americano, ligada ao Banco Morgan de Nova Yorque, que estava entrando no Brasil e vinha açambarcando grande número de concessões em diferentes pontos do país.
Entretanto, a concretização da transação dependia da possibilidade da companhia americana conseguir um contrato de exclusividade em Porto Alegre. Em outubro de 1927, intensificaram-se, portanto, as negociações entre a Amforp e a Intendência, apadrinhadas pelo técnico da Seção de Eletricidade, Dr. Fernando Martins, que em seguida viria a tornar-se funcionário da CEERG americana. Tendo inicialmente as condições da companhia sido rejeitadas pelos principais engenheiros do Intendente Otávio Rocha, as negociações foram reencetadas apenas em março de 1928, imediatamente após a morte deste último e com a sua substituição pelo Cel. Alberto Bins, grande industrial local, deputado estadual pelo PRR da 7a a 10a legislaturas (1913-1927) e vice-intendente. Chamou-se, então, às pressas uma concorrência pública que englobava a venda dos acervos da CEERG, CPA e Intendência Municipal (usina elétrica e gasômetro) e, após algumas manobras eficazes, que tiraram de cena os técnicos do município contrários ao acordo, celebrou-se, em 5 de maio, o contrato de concessão com a Companhia Brasileira de Força Elétrica (CBFE/Amforp).
Esta operação resolvia o problema de caixa da São Jerônimo e continuava a garantir-lhe a reserva de mercado para o seu carvão, mesmo porque as máquinas da nova termelétrica haviam sido especificamente projetadas para uso do carvão nacional. De outra parte, os acionistas gaúchos, que agora mantinham participação minoritária nas empresas, apoiaram a transação, pelo que se depreende das declarações à imprensa da época. Doravante, entretanto, jamais voltaram estes a perceber quaisquer rendimentos por suas ações. O jornal Correio do Povo, por seu turno, seguiu em porfia com a CEERG, sustentando uma nota dissonante na imprensa da capital que dava voz à inconformidade de muitos consumidores face aos serviços prestados. De um modo geral, contudo, os serviços das empresas, CEERG e CPA, obtiveram uma sensível melhora, que manteve-se pelo menos até a década de 40. Todavia, analisado em um contexto mais amplo, o ônus do acordo firmado entre Alberto Bins e a CBFE foi pago especialmente pelas comunidades em processo de industrialização do interior do estado: no Vale do Sinos, Jacuí e região do Rio Santa Maria. Isto porque ao determinar a condição de privilégio em Porto Alegre, o principal mercado consumidor de eletricidade do estado era fechado, inviabilizando definitivamente o projeto de construção de uma central hidrelétrica no Rio Jacuí, que forneceria energia abundante e barata à capital e à região citada. Nesta, em meados dos anos 30, o espectro do racionamento tornar-se-ía já uma realidade sufocante.
Considerações finais
O contrato de maio de 1928 importou num refluxo definitivo da participação do capital nacional na produção e distribuição de energia elétrica no Rio Grande do Sul, em benefício da expansão do capital estrangeiro, que até então ocupara uma posição periférica, nas cidades de Pelotas e Rio Grande, nesta última apenas até a encampação da Cie. Française du Port du Rio Grande pelo governo estadual, em 1919. Entre 1923 e 1925, o capital de origem regional, diante das dificuldades que enfrentava, havia recuado, tendo cedido espaço ao capital nacional, já consorciado ao estrangeiro, através da Cia. Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo.
Embora a indústria de energia elétrica tenha sido pioneira no Rio Grande do Sul, surgindo apenas quatro anos após ter sido inaugurada a primeira usina distribuidora de eletricidade do mundo, por Thomas Edison, em Manhattan, o desenvolvimento das principais empresas responsáveis pelos serviços, sediadas em Porto Alegre, esteve sempre em descompasso com as demandas verificáveis pelo mercado de consumo. De fato, ainda que tenha sido feito um grande esforço para que empresas de origem inteiramente regional estruturassem-se desde o início sob forma de corporações modernas, com capital aberto a uma larga relação de acionistas, contrariando a tendência dominante do incipiente capitalismo sul-riograndense, marcado pela presença de empresas familiares, a natureza própria dos serviços de eletricidade, caracterizada pela exigência constante de investimentos dependentes da reunião de considerável volume de capital, determinou o permanente impasse na indisponibilidade de recursos suficientes garantidores dos programas de expansão das instalações. Tanto a Fiat Lux quanto a Força e Luz, procuraram promover sucessivos aumentos de capital, em geral captados junto aos maiores acionistas das companhias, junto a instituições financeiras regionais, algumas empresas ou investidores isolados, ou, em último caso, junto a grandes empresas de fora, capazes de proporcionar um vultoso aporte de capital; operações estas, que em ambas as companhias implicaram em certos casos na alteração da constituição de suas diretorias, importando, inclusive, no afastamento de seus sócios-fundadores, no caso, Aimable Jouvin e S. Dernuit, e Possidônio M. da Cunha, respectivamente.
À guisa de conclusão, depreende-se que o mercado financeiro regional, representado tanto por investidores isolados como por instituições de financiamento locais, foi incapaz de responder às necessidades de investimentos dispostas pela indústria de energia elétrica. Por outro lado, as tentativas de obtenção de recursos no mercado externo de capitais caracterizaram-se, via de regra, pelo fracasso, como, por exemplo, por ocasião das negociações conduzidas por Possidônio da Cunha, em 1905, na Europa.
Doutra sorte, as operações de crédito e as emissões de títulos (em sua maioria quirografários) sucessivamente levadas a efeito pela administração da CFL indispuseram acionistas majoritários e minoritários entre si. Os termos desta polêmica foram detalhadamente vertidos pela imprensa em 1910. Com o tempo, a defesa dos interesses dos acionistas minoritários por intermédio de setores da imprensa aos mesmos ligados deriva a um ataque frontal à diretoria da CFL e, portanto, também aos serviços da companhia e ao contrato celebrado com o poder público municipal. A administração da CFL perde credibilidade perante a comunidade, e a crescente impopularidade dos serviços prestados pode ser avaliada diante das depredações ao patrimônio da empresa promovidas em repetidos distúrbios e tumultos sociais. Sem dúvida, as expectativas de rendimentos sobre o capital investido, sempre bastante elevadas, entraram em choque com o interesse público dos usuários dos serviços, o que insuflou grande celeuma em torno das pretensões de reajustes nas tarifas.
A um tempo, incapaz de vencer os encargos de sua enorme dívida e de investir na ampliação de suas instalações, a CFL busca um novo parceiro financeiro, passando a diretoria a ser assumida por este e pelo principal credor da empresa. Da mesma forma, ao entenderem os acionistas da Fiat Lux ser inviável ou desinteressante a sustentação de novos aportes de capital, as ações foram integralmente transferidas a CEERG. O esgotamento da capacidade reprodutiva do capital repetiu-se com a Cia. São Jerônimo, determinando o processo que culminou com a absorção dos acervos da CEERG e da CPA pela CBFE norte-americana, em 1928.
No transcorrer de sua controvertida existência, a CFL dispôs de um inegável favorecimento de parte dos poderes públicos, tanto ao âmbito municipal quanto estadual, o que em grande medida ajudou a viabilizar o empreendimento. Bastaria lembrar que nove dentre seus principais acionistas foram deputados estaduais e/ou federais pelo partido governista uma ou mais vezes. Embora os governos republicanos propalassem o tema da isenção e imparcialidade administrativa, verifica-se com efeito o favoritismo dos poderes públicos nos episódios da concorrência municipal de 1904; da realização dos projetos para implantação dos serviços; do contrato de 1906; da polêmica em torno das obras em 1907; das greves dos trabalhadores da empresa, especialmente em 1919 e 1925; e da revisão contratual em 1925. Durante a década de 20, a denúncia desta relação passa a ser sugerida pelos ataques da imprensa. Tal protecionismo subliminar opera na alavancagem do ainda frágil capital regional, compensando a inexistência de uma política oficial definida para o setor elétrico.
O capital que reuniu-se para a incorporação da Fiat Lux e da CFL teve origem num grupo de investidores especialmente ligados às atividades financeiras e comerciais na capital gaúcha. Dentre os principais acionistas das companhias encontram-se casas comerciais, imobiliárias, operadoras de seguros, bancos e capitalistas ou financistas isolados conectados a tais atividades. Além das empresas ligadas a Possidônio da Cunha, encontram especial destaque neste quadro de investidores e prestadores de créditos os bancos da Província e do Comércio.
Finalmente, a condição de livre concorrência do mercado de energia elétrica na capital, festejada pelos poderes públicos, jamais afirmou-se na prática. Primeiramente porque nenhuma das empresas seria capaz de gerar energia suficiente para toda cidade, podendo cada uma atender apenas uma parcela restrita da demanda real. Além disso, possuindo diversos investidores ações em ambas as corporações, tornava-se indesejável qualquer confronto entre a Fiat Lux e a CFL. A partir de 1925, quando ambas empresas passam ao controle da CEERG, a condição de monopólio torna-se ainda mais evidente. Por sua vez, a Usina Municipal jamais chegou a constituir uma ameaça de concorrência às empresas privadas, pois distribuía energia a zonas nas quais as mesmas não atuavam.
No momento em que, destarte, a reprodução do capital passou a exigir a garantia de privilégio de exploração dos serviços em Porto Alegre, a encampação do acervo municipal pela nova concessionária foi incluída na concorrência pública de 1928. Ainda que, efetivamente, o contrato de 1928 tenha, pelo menos a médio prazo, propiciado a melhora substancial dos serviços na capital gaúcha, não deixou de ser o mesmo um antídoto arranjado para o esgotamento das empresas atuantes no município. A Cia. São Jerônimo, que em 1923 iniciara uma ofensiva no setor elétrico de Porto Alegre com o intuito de fomentar o consumo do carvão que extraía de suas minas, chegara a 1928 incapaz de concluir as obras que desencadeara. Socorria-se, assim, empresas praticamente falidas redimensionando-se a questão energética da capital. Porém, sob um prisma imediatista e informado pelas determinações da indústria carbonífera e do capital financeiro regional, esta redefinição trouxe prejuízos ao estado como um todo.
Tais medidas se deram numa época em que a indústria de energia elétrica era reconhecida sobretudo em sua dimensão comercial, e as empresas e concessões governamentais representavam células isoladas, dispersas pela inexistência de um plano geral de política energética definido. O capital privado que prosperou neste sistema, revelou sua fragilidade, apesar do favoritismo governamental, no momento em que foi chamado a resolver a equação determinada i) pela necessidade de maiores investimentos; ii) pelas altas expetativas de rendimentos sobre as somas investidas; iii) pela escassez de recursos disponíveis no mercado financeiro regional; iv) pela falta de acesso ao mercado estrangeiro de capitais; v) pela pressão do movimento operário, da opinião pública e dos usuários dos serviços prestados pelas companhias; vi) e, por fim, pelas contradições oriundas dos eventuais prejuízos acarretados à saúde das empresas a partir das especulações financeiras levadas a cabo pelas diretorias administrativas.
Se num primeiro momento, a condição periférica da acumulação de capital no Rio Grande do Sul face ao cenário nacional permitiu a reprodução do capital regional no setor elétrico, pois os grandes investidores externos mostraram-se pouco entusiasmados com o incipiente mercado de consumo gaúcho, com o desgaste das iniciativas locais as companhias estrangeiras terminaram ocupando-lhes o espaço, sendo então de fato recebidas como alternativa redentora.