Flavio R. Cavalcanti — 30 Mar. 2015Sendo “Barrinha” um apelido popular, não existem definições “oficiais”, exatas, de percurso, data inicial, significado, — e isso restringe as possibilidades de se chegar a uma “história” simples, ou a uma descrição única do material rodante. Sua característica fundamental é a de trem parador no percurso entre Japeri e Barra do Piraí, — daí o apelido, — e só se conhece a data de encerramento: deixou de rodar após o acidente de 18 Set. 1996, às vésperas da privatização da RFFSA. Esta configuração teria começado a “aparecer”, segundo Ralph Giesbrecht, “na primeira metade dos anos 1970”. Concretamente, cita que “em 1976, os guias já mostram dois horários, um saindo de madrugada de Barra [do Piraí] e outro próximo ao meio-dia, para um trem que ia e voltava nesse percurso”. O horário que apresenta, porém, é do Guia Levi de 1978 [Giesbrecht, Trens de passageiros do Brasil. 30 Mar. 2015]. Dentro desse período de cerca de duas décadas, o trem “Barrinha” rodou com as mais diversas formações, incluindo diferentes TUEs e também carros de aço carbono tracionados por diferentes locomotivas, com ou sem vagões de carga ou carro correio-bagagem, possivelmente com prefixos e horários diferentes ao longo do tempo. Isso resume o que se encontra em inúmeros blogs e sites, que beberam dessa fonte, — em alguns casos acrescentando maior ou menor volume de informação visual, lembranças pessoais ou de família, ou de conversas com antigos ferroviários e moradores da região.
Em busca da lógicaSem querer provar nada, Jorge A. Ferreira Jr. acredita que o trem parador entre Japeri e Barra do Piraí, — independente de apelido, prefixo ou material rodante, — foi criado com a eletrificação da Central do Brasil, em conexão com os trens de subúrbios da gare D. Pedro II até Japeri. “Tem lógica, mas a EFCB não era muito lógica” [Jorge A. Ferreira Jr.]. A eletrificação chegou a Japeri em 10 Nov. 1943, e a Barra do Piraí em 29 Mar. 1949. Portanto, mesmo desconfiando da lógica, faz sentido estender as pesquisas a esse período e, — por que não?, — dar uma olhada também no que houve antes. Isso, quanto ao surgimento do trem parador elétrico, — porque, na verdade, existem outras “lógicas” a examinar, além da eletrificação: 1) Trata-se da “Serra”, — subida / descida íngreme, entre a planície litorânea e o elevado vale do Paraíba do Sul, — um “gargalo” geográfico, tratado como trecho absolutamente específico, desde os primórdios da antiga EFDPII — sem alteração fundamental até os dias de hoje. 2) Começa e termina em duas “fronteiras” (por assim dizer) organizacionais: Japeri é o limite dos trens de subúrbios com a “Serra”; e Barra do Piraí é o limite da Linha do Centro com o Ramal de São Paulo. Em termos organizacionais, um trem direto ou expresso entre duas capitais, — como Rio-SP, ou Rio-BH, — extrapola essas “pequenas fronteiras” dentro da ferrovia. Mas é natural procurar compartimentar os trens locais, paradores, por “jurisdições”, para reduzir a confusão de interdependências entre as chefias e simplificar a tarefa de supervisão pelas instâncias hierárquicas. Em termos operacionais, tampouco faz sentido estender um trem local, parador, através de dois ou mais trechos de características técnicas tão diferenciadas entre si. Em termos sócio-econômicos, as ferrovias sempre hierarquizaram seu público, entre os que “voam” e os que fazem baldeação, com ou sem algumas nuances intermediárias. Alguns momentos da década de 1950, — flagrados pelas pesquisas de Hugo Caramuru e Jorge A. Ferreira Jr. em antigos jornais, — parecem confirmar que, de fato, sempre houve um parador bastante compartimentado, entre Japeri e Barra do Piraí, às vezes com extensão direta até a gare D. Pedro II, outras vezes em conexão com um “direto”. Servem como lembrete de que ainda há muito a pesquisar.
O trem “paradouro” em 1953Um “apelo dos passageiros”, publicado no Correio da Manhã, flagra a existência de um trem parador no exato percurso de Barra do Piraí a Japeri, em pleno ano de 1953, quando ainda nem existia RFFSA. A nota do jornal não dá indicação sobre sua formação, tipo de tração, nem sobre qualquer eventual apelido popular que pudesse ter na época. “Por motivos ignorados”, o trem “paradouro”… “deixa de chegar” até a estação D. Pedro II. Esse “deixa de chegar” — apesar do verbo no tempo presente — pode deixar uma impressão de que, antes, chegava. Não faz muito sentido complicar a operação de subúrbio com a injeção de trens externos, — exceto os que não se possam evitar, — mas, se de fato acontecia antes, 1953 bem poderia ser o ano azado para mudar: “O desgaste da frota rodante, que recebia uma manutenção precária, aliado a outras deficiências de sinalização, da rede aérea, da via permanente, além da administração falha, contribuíram para um somatório de causas que desembocaram no quase colapso do serviço de subúrbios em 1953” [“1937-1987: os 50 anos da eletrificação dos trens de subúrbios do Rio de Janeiro”. Benício Guimarães. CBTU, Rio de Janeiro, 1987]. De acordo com a nota no jornal, um “elétrico” deveria aguardar seus passageiros em Japeri para levá-los diretamente à estação Central porém, “como os trens elétricos nunca chegam à hora marcada”, os passageiros do interior sofriam atrasos garantidos de uma hora, conseguindo chegar à D. Pedro II somente às 19h, quando precisavam disputar espaço nos trens de subúrbio com a multidão que voltava para casa após o trabalho. Por isso, pediam — ou algum conhecido do jornalista pedia? — uma paradinha em Cascadura, “onde desceriam os interessados”.
Um trem parador extra em 1956Pelo menos em caráter extraordinário, “para atender ao acúmulo de passageiros” durante o carnaval de 1956, houve um “parador” especial de Barra do Piraí “parando em todas até Japeri” e daí seguindo “direto a D. Pedro II”. O “trem elétrico” especial extraordinário SEE-22 foi programado para a Quarta-feira de Cinzas, com partida às 7h10 e chegada às 9h45. Sem conhecimento das práticas ferroviárias da época, me pergunto até que ponto esses trens “especiais extraordinários” não correspondiam às linhas regulares — apenas acrescentando um horário a mais, ou deslocando-as para horários diferenciados. Vale considerar que, após o quase colapso dos trens de subúrbios em 1953, a Central do Brasil recebeu novos trens-unidade elétricos (TUEs) a partir de 1954. Por isso, é possível que o trem parador tenha voltado a chegar à gare de D. Pedro II.
Dois trens paradores em 1957Um aviso da EFCB sobre novos horários de trens do interior no início de 1957 registra a coexistência de pelo menos dois trens no percurso de Barra a Japeri, ou até D. Pedro II:
O aviso trata apenas das alterações de horários, mas deixa entrever o papel da estação de Barra do Piraí na rede de trens e conexões. Os passageiros do N-1, para Três Rios, que desejassem chegar às localidades menores do percurso deveriam tomar o parador S-17 de Barra do Piraí para Três Rios. De resto, a multidão de siglas devia dar nó na cabeça até dos controladores de tráfego. Não é de espantar que os usuários criassem apelidos para facilitar a vida. Infelizmente, o aviso oficial não entrava nesta seara.
O trem apelidado “Bacurau” em 1960O registro de um triste acidente em Japeri, no final de 1960, abre outra janela sobre o trem parador entre Japeri e Barra do Piraí. Era popularmente conhecido, porém, como trem “Bacurau”, que sob o prefixo SP-II (ou SP-11?) pernoitava em Japeri para fazer o trajeto até Barra do Piraí. Apenas o outro trem, proveniente de D. Pedro II com o prefixo UM-9, é chamado de “elétrico”. Mas, isso não quer dizer nada. É prática comum alternar dois nomes para evitar repetição excessiva na redação de qualquer texto. Não exclui, por princípio, que o “Bacurau” também fosse um TUE. Trem Barrinha
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