Flavio R. Cavalcanti - 6 Dez. 2014Programa da viagem de inspeção do Ministro dos Transportes no eixo São Paulo - Porto Alegre Em apenas 16 páginas mimeografadas, formado A4 (só frente), o programa da viagem de inspeção ao Tronco Sul (novo) construído pela Engenharia do Exército guarda alguns registros importantes sobre vários pontos de possível interesse para pesquisa:
HistóriaDeixando de lado a menção à guerra contra o Paraguai, aos irmãos Rebouças, e à criação do 1º Batalhão Ferroviário, que dizem mais respeito às ferrovias estratégicas do litoral para as fronteiras no oeste, do que a esta ligação do Sul ao Sudeste, a publicação registra que:
Características da ferroviaÉ preciso separar os dados fornecidos nas várias tabelas dessa publicação da RFFSA. Observe que cada tabela abrange uma extensão diferente, ou com diferentes subdivisões dos trechos.
É necessário, portanto, distinguir diferentes ferrovias e diferentes trechos, construídos em épocas diferentes, por diferentes entidades, com diferentes projetos e objetivos, por métodos e sistemas também diferentes, cada um podendo ter recebido (ou não), mais tarde, sucessivas melhorias em partes de seu traçado.
O trecho de Ponta Grossa a Engenhero Bley fazia parte do tronco leste-oeste, do interior do Paraná para o porto de Paranaguá, com características voltadas para o tráfego concentrado de exportação, proveniente de várias linhas a oeste. O trecho de Pinhalzinho a Ponta Grossa tinha sua própria lógica, de intercâmbio com São Paulo. A capacidade de suporte das pontes e viadutos para 32 toneladas por eixo seria um erro de datilografia? O trecho de Engenheiro Bley a Mafra também tinha sua lógica própria, de intercâmbio com a linha de São Francisco (SC). Enfim, o trecho de Roca Sales a Porto Alegre tinha sua própria lógica como parte da Ferrovia do Trigo coisa que fica escamoteada, quando se computa a densidade de tráfego de um trecho bem mais abrangente, de Lages a General Luz, sem distinguir o que fazia parte, também, de outras rotas econômicas. Mafra a Roca SalesO trecho de Mafra (SC) a Roca Sales (RS) foi o que, de fato, veio ligar todos os demais trechos, e constituir o conjunto em um tronco ferroviário, reunindo objetivos estratégicos e de integração econômica interregional.
Tratava-se do trecho mais pesado, a ser construído pelo alto da serra, e o de menor retorno econômico em nível puramente local, como nota Goularti Filho [Ferrovia no planalto catarinense: um território de passagem. Alcides Goularti Filho. II Encontro de Economia Catarinense, Chapecó (SC), Abril 2008]. O conjunto dessas três características, interesse estratégico, construção onerosa e ausência de interesse econômico local, pode ter sido determinante para a entrega da obra ao Exército. Ao decretar o primeiro Plano Geral de Viação Nacional, com apenas 3 assinaturas ministeriais, em Junho de 1934, o governo provisório liderado por Getúlio Vargas já dependia bastante do apoio militar, embora ainda com ampla margem de manobra entre diferentes linhas de pensamento, os ex-tenentes e a alta oficialidade, por exemplo, e as mais variadas correntes civis, classes econômicas e interesses regionais. Antecipava-se, em 2 semanas, à Constituição de 1934, em vias de ser promulgada no mês seguinte.
Maior influência militar no governo Vargas, agora, concentrada na alta oficialidade, e com Góis Monteiro na chefia do Estado Maior do Exército desde Julho de 1937, passou a existir durante o Estado Novo, quando foi criado o 2º Batalhão Ferroviário, a ser localizado em Rio Negro, com a missão específica de traçar e construir o trecho estratégico mais difícil, mais oneroso e de menor atratividade econômica imediata. Crise mundialVale lembrar que toda a década de 1930 transcorreu sob os efeitos do crash da Bolsa de Nova Iorque de 1929, que lançou o mundo inteiro em profunda crise econômica, só superada com o engajamento das indústrias na produção para a II Guerra Mundial (1939-1945). Durante os 10 anos da crise mundial, o Brasil ficou sem as altas cotações do café, até então sua principal fonte de divisas. Durante a II Guerra, que se seguiu, exportava para receber ao final da guerra, e sem poder importar livremente os equipamentos de que precisasse, devido às restrições à exportação nos países industrializados. Com uma estrutura econômica primária, obsecada pela monocultura, o Brasil dependia dessas exportação de produtos primários para importar tratores, caminhões, e até os derivados de petróleo para fazê-los trabalhar numa obra desse porte, para não falar dos trilhos, ou mesmo de coisas como uma perfuratriz, uma calculadora mecânica, um aparelho de telégrafo, ou um gerador de eletricidade, por exemplo. Sem grandes receitas de exportação, e num quadro de crise econômica mundial, também não havia como recorrer a empréstimos do exterior o que se reflete no lento avanço da construção de ferrovias no país de 1931 a 1945. Países engolidosPara compreender o contexto das preocupações estratégicas da década de 1930, é preciso lembrar, também, o turbilhão político em que países com governo forte, fenômeno que não se limitava ao chamado eixo nazi-fascista, anexavam regiões dos países vizinhos e, com frequência, os próprios países vizinhos, para não falar de colônias países e frágeis em outras partes do mundo [ver Nações e nacionalismo desde 1780 e A era dos extremos: o breve século XX, de Eric J. Hobsbawm].
Para isso, os chamados governos fortes preocupavam-se, não apenas, em armar e treinar seus exércitos, mas também em produzir nacionalismo pelo rádio e pelas escolas; controlar minorias étnicas e migrações; e implantar ferrovias e autoestradas de alto padrão para amarrar as diversas regiões reunidas dentro de seus territórios. Era a época da geopolítica, por excelência, e também de um estreitamento do casamento entre os Estados nacionais e suas indústrias e empreiteiras: o poder nacional se industrializava como nunca. Não se podia imaginar um Estado forte sem produção local de armas cada vez mais sofisticadas, munição e combustíveis, o que implicava em siderurgia e indústrias química e automobilística, por exemplo, além de alimentos para a população e as tropas; e ocupação humana e econômica de todas as suas regiões, em especial as de fronteira. É nesse contexto que dois vizinhos, entre os países mais pobres da América do Sul, Paraguai e Bolívia, prestavam-se a campo de prova da mais avançada tecnologia militar, a blitzkrieg com apoio da aviação, na chamada Guerra do Chaco (1932-1935), sob o patrocínio de empresas petrolíferas e missões militares estrangeiras; e a elite de São Paulo realizava um levante com fortes traços de ideologia separatista, numa demonstração de poderio bélico e de um nacionalismo estadual, à parte do restante do país. É comum citar-se a preocupação com uma eventual guerra nas fronteiras do Sul, entre as motivações estratégicas desse tronco ferroviário do Rio de Janeiro a Porto Alegre, mas seria irreal deixar de notar sua importância para o avanço de tropas do Sul em direção a São Paulo, como em 1930 e 1932, experiências recentíssimas. Ora, a EFSPRG o tronco sul antigo permanecia sob ocupação militar federal desde 1930 e, mesmo assim, o Estado Maior do Exército considerava indispensável e urgente iniciar a construção de um novo Tronco Sul, não importando o tamanho da crise econômica. Nada de melhorar a EFSPRG através de regiões já ocupadas e produtivas construindo uma variante após outra, e cada uma das quais começaria a dar retorno imediato, enquanto se passasse à implantação da variante seguinte. Apenas uma nova linha tronco, por cima da serra mais acidentada, nada menos, parecia capaz de atender aos anseios estratégicos da alta cúpula militar. «» ª O Tronco Sul novo
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